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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As Crônicas de Kethoth - Capítulo 4



Capítulo 4
T
inha parado de chover cerca de um quarto de dia depois de desembarcarem e começarem a preparar acampamento perto da praia. A areia estava encharcada e os soldados, carregados como estavam de equipamentos militares e mantimentos para o resto da jornada, afundavam como se fosse neve fofa do longínquo norte. Tudo correra bem com exceção da intromissão da chuva.
Kethoth já estava com sua barraca montada e secara-se com uma de suas toalhas de linho. Elas não eram boas, mas era o que todos os soldados tinham recebido. Ele tinha uma toalha de algodão importado do distante oriente. Uma terra chamada Kara-tur, onde nenhum homem de Faerûn jamais havia posto os pés. Ou se tinha, ele nunca voltara de lá. Todos os comerciantes que faziam as caravanas de Faerûn até Kara-tur eram orientais e povos seminômades do grande deserto a leste de Mulhorand.
Mesmo para Kethoth, que julgava conhecer muito do mundo, o oriente parecia algo vago e incerto. Havia lendas e mitos de dragões estranhos naquelas regiões, muito diferentes dos que viviam em Faerûn. Dizia-se também, que quanto mais longe se ia ao oriente, mais ricas e douradas ficavam as cidades. Quando Kethoth imaginava as cidades orientais, sempre via Skuld, mas com ouro no lugar de toda a madeira. Não que em Skuld houvesse muita madeira, mas era assim que Kethoth imaginava as cidades orientais.
Agora, porém, não havia nenhuma riqueza ou luxo para nenhum dos homens de Kethoth. E ele não achava justo, mesmo sendo o general comandante daquele batalhão, dar-se mais luxo do que aquele que podia dar aos seus soldados. Usava sua armadura dourada somente porque era o símbolo de sua posição. Seu elmo estava colocado de lado, pois precisava raspar seu cabelo novamente. Toda a vez que o cabelo começava a crescer, a malha que usava por baixo do elmo dourado incomodava mais do que era capaz de suportar. Era o único luxo que estava se dando. Raspar o próprio cabelo com sua faca. Ele a mandara amolar especialmente para tirar o cabelo e ficara assustado com a forma que a faca voltara. Extremamente fina e desbastada em ambos os lados, mas depois de testá-la, viu que o armeiro sabia o que estava fazendo melhor do que ninguém. A faca cortava os cabelos com suavidade e precisão e foi uma das primeiras vezes que Kethoth não se cortou enquanto se raspava.
Quando Kethoth já estava quase terminando o trabalho, diante de seu pequeno espelho, Urhur apareceu junto à entrada da tenda. Kethoth, que estava de costas para a entrada, ouviu a chegada do amigo e ergueu o espelho para poder olhá-lo nos olhos enquanto estivesse ali.
– Precisa de alguma coisa, Urhur? – Perguntou Kethoth, pousando a lâmina suja no colo da capa. – Tudo em ordem com os preparativos do acampamento?
– Sim! – Respondeu o homem. Ele ainda estava em sua armadura, mas parecia que algumas fivelas já estavam abertas. – A questão nem mesmo é minha. Mas vários dos homens perguntam quanto tempo ficaremos acampados aqui. E como a maior parte deles não está satisfeita com toda a chuva e a demora que andamos tendo, acho melhor que a informação passe por mim ao invés de que você transmita diretamente a eles.
– Ficaremos tanto quanto eu achar necessário. – Disse Kethoth, finalmente se virando para encarar seu segundo em comando. – Mas diga a eles que não se preocupem, pois sei e compartilho da impaciência que eles têm. Quero entrar logo em Shussel e dormir em uma cama de verdade e que de preferência não balance. É só isso?
– De minha parte é senhor. – Urhur se curvou e continuou monocromaticamente. – Me da sua permissão para me retirar?
– Tenho uma coisa para lhe pedir também. – O soldado levantou o rosto, com uma expressão inquisitiva. Ao que Kethoth respondeu. – Traga-me o cartógrafo e o mapa. Quero descobrir exatamente onde estamos antes de liberar as embarcações para voltarem.
– As suas ordens, General. – Respondeu Urhur. Virou-se e saiu.
Até mesmo a relação entre os dois amigos tinha esfriado com a chuva. Aquilo nunca passara pela cabeça de Kethoth, mas estava acontecendo. O tempo estava horrível lá fora agora. Provavelmente haveria neblina durante a noite. Era incomum neblina tão perto do mar, mas Kethoth conhecia a região e sabia que com o tempo e as nuvens como estavam, não tinha outra explicação. A névoa esfriaria mais ainda o clima e também o ânimo do batalhão.

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