Capítulo 1
– V
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ou mandar você
até Unther, para uma das cidades que tomamos recentemente. – Disse Horustep II,
primo de Kethoth, quando eles ficaram a sós. – Shussel já tem uma pequena
guarnição, mas um remanescente de moradores está oferecendo certa resistência à
conquista inevitável. – Horustep sempre vestia roupas caríssimas, com detalhes
em ouro e várias pedras preciosas decorando tanto a gola quanto as barras.
Fisicamente, tinha uma boa constituição, braços fortes e pernas de corredor.
Uma pele morena que condizia com seus cabelos e olhos castanhos. Se não se
vestisse como um faraó, passaria despercebido no meio do povo de Mulhorand. Ao
contrário de Kethoth. – Vocês partirão ao amanhecer com quinhentos homens.
Designei um amigo seu para ser seu capitão, mas você liderará o pelotão. Viajem
até Ghildaneth a pé, e depois vão para Shussel de barco. Haverá navios
esperando vocês no porto em Ghildaneth.
– Farei como ordenas, faraó
Horustep. – Respondeu Kethoth com o respeito devido a um faraó.
– Sabe que pode me chamar de primo, não sabe, Kethoth? – Replicou o
Faraó, com um sorriso triste no rosto. – Além do mais, eu não ordeno mais nada.
Sabe que aqueles mercenários tomaram o poder de fato e que só temo demais pela
vida de meu filho para enfrentá-los. Agora vá e pegue seus pertences. Tenho a
sensação de que você ficará longe de Skuld durante muito tempo.
Assim, Kethoth se afastou do primo e seguiu até o seu quarto no palácio
para pegar o que havia de seu lá. Encontrou a porta fechada, como sempre a
deixava, e suas coisas já estavam parcialmente arrumadas sobre a cama de pedra
onde se deitava a noite. Vestiu sua armadura dourada, que era costume entre os
comandantes Mulhorandi, colocou sua espada na bainha que pendia de seu cinto,
agarrou seu escudo e prendeu-o as suas costas e por último pegou seu elmo.
Hesitou por um instante, pensando se deveria colocar o elmo na cabeça, mas
depois reconsiderou e resolveu exibir o símbolo de sua autoridade tatuado em
sua cabeça.
A hierarquia Mulhorandi era fácil de entender. Os escravos tinham a
cabeça raspada e não ganhavam nenhum símbolo tatuado na cabeça, para
diferenciá-los dos homens livres. Os homens livres de baixo escalão, escravos
libertos e artesãos em geral, tinham um círculo azul tatuado na cabeça e
tendiam a permanecer com o cabelo raspado, para não serem confundidos com
estrangeiros. Acima desses homens livres de escalão baixo, vinham os magos, que
tinham dois círculos tatuados na cabeça. Os magos eram muito importantes para o
equilíbrio da sociedade e economia Mulhorandi, pois comerciavam com todas as
classes, comprando itens manufaturados dos artesãos e encantando-os para vendê-los
aos faraós e suas famílias e aos clérigos, que formavam a parte superior da
hierarquia da nação. Os clérigos, não obstante a religião, tinham três círculos
tatuados na cabeça para serem diferenciados das outras pessoas. O prestígio que
os sacerdotes detinham na cultura Mulhorandi comparava-se com a dos faraós do
período posterior à queda dos deuses-monarcas.
Mesmo sendo um clérigo do Cavaleiro Vermelho (que mesmo fora de Mulhorand
é considerado um deus de baixíssima patente), todos os escravos tinham de se
curvar para Kethoth quando ele passava por eles ou entrava no mesmo recinto em
que estavam. O aasimar já tinha se acostumado a isso, pois mesmo antes de ter
estudado os caminhos dos deuses isso já acontecia, por ser de linhagem real. Os
clérigos das divindades do panteão local eram ainda mais reverenciados, por
serem considerados as ligações diretas com os próprios deuses, que agora não
mais caminhavam sobre a terra.
Kethoth foi até o pequeno santuário que os clérigos do Cavaleiro Vermelho
mantinham em Skuld. Lá
tinha de buscar o resto de seus pertences. Sempre mantinha seus equipamentos de
viagem lá, pois várias vezes ele tinha sido acordado no meio da noite para ajudar
em reuniões militares com esclarecimentos sobre estratégias. Pegou sua mochila
com todos os pertences e pendurou tudo sobre as costas, tapando seu escudo. Se
precisasse do escudo ou do símbolo do Cavaleiro Vermelho (um cavalo de xadrez vermelho,
com estrelas nos olhos) teria que primeiro tirar sua mochila das costas. Mas não
esperava precisar do escudo ou do símbolo até ter deixado o território de
Mulhorand.
Kethoth testou o peso de sua carga para ter certeza de que não o
atrapalharia em sua viagem. Algumas coisas ele poderia prender em seu camelo,
mas precisaria viajar a pé depois de desembarcar em Unther. O peso não era demasiado
e não atrapalharia o avanço, mas teria que arranjar espaço se quisesse levar
algo que pudessem precisar juntar da estrada. Depois depositou o peso de novo
ao lado da cama. Decidiu deixar a armadura abandonada ao lado da cama, sem
vontade de montá-la em um manequim só por essa noite. Deitou-se na cama de
pedra e tentou descansar.
O dia seguinte chegaria em
breve. E seria mais longo e quente do que qualquer um
gostaria.