Capítulo 5
noite estava fria por causa da névoa. Urhur e
Kethoth conversavam perto de uma fogueira dentro do acampamento cercado que
tinham feito. Tantas outras fogueiras também ardiam dentro do acampamento e, ao
redor delas, tantos outros soldados cansados da marcha do dia também sentavam e
descansavam.
A viagem com um exército sempre era mais demorada do que uma simples
caravana. Os homens de armas e, principalmente, os generais eram treinados para
nunca dormirem a noite sem ter uma pequena fortificação construída ao seu
redor. Mas é claro que isso despendia tempo que poderia ser usado na viagem. O
exército não conseguia viajar mais de um quarto do dia, pois as noites eram
reservadas para o descanso dos homens e o desjejum. Mesmo fazendo a refeição do
sol alto em movimento (comendo carnes secas e pães duros), a viagem não rendia
como se fosse um grupo pequeno. Um pouco antes do anoitecer, todos paravam e
começavam a trabalhar para erguer barracas, paliçadas e cavar pequenos fossos.
Essas fortificações eram queimadas ao amanhecer e o grupo avançava durante mais
um dia.
A noite já ia avançada e Kethoth se sentia cansado. Tinham avançado
durante quatro dias e, pelos cálculos que fizera com o cartógrafo, ainda tinham
mais dois pela frente. O tempo melhorara nesses dias e, junto com ele, o humor
dos homens também estava melhor. Eles já não olhavam torto para ele ou para
Urhur, o que já era um grande avanço. Mas nessa noite uma névoa estranha tinha
baixado sobre o acampamento e seus arredores. Mesmo assim, nada acontecia. Os
vigias continuavam montando guarda e os outros homens conversavam, riam
timidamente, e bebiam algum vinho de amoras para que o sono viesse com mais
facilidade mais tarde.
Urhur e Kethoth se despediram mais tarde e cada um foi para a sua própria
barraca. Antes do amanhecer, o comandante veio até a barraca de Kethoth e
acordou este. Ele levantou ainda meio zonzo de sono e, depois de se lavar,
tomou o desjejum com o comandante. A comida era simples. Composta de pão com
algumas sobras da ceia anterior, como batatas assadas em espetos e um pouco de
sopa de legumes.
A neblina, que viera no anoitecer anterior, continuava firme e
incomodativa sobre o acampamento e os arredores, prejudicando a visão e
resfriando o clima local. Os guardas pareciam sonolentos depois do desjejum e
de uma noite em claro.
Kethoth e Urhur passaram pela fresta entre as paliçadas para
fazer suas necessidades do lado de fora do acampamento. Foram até um pequeno
bosque próximo, na direção oposta a do mar, para terem um pouco mais de
privacidade. Acharam estranho, mas no bosque e mais para o oeste não havia
sinal de névoa.
Passaram algum tempo entre as árvores e quando saíam o sol já ia
nascendo. Tudo estava quieto e tranquilo. Então Kethoth percebeu que tudo
estava quieto e tranquilo demais.
- Percebeu o silêncio? - Perguntou para Urhur. - Deveríamos estar ouvindo
os soldados se preparando para queimar a paliçada e para a marcha. Por que está
tudo tão silencioso?
- Que bom que você perguntou isso, porque eu achei que fosse o único a
ter percebido algo estranho. Veja, a névoa está indo embora.
Os dois andaram mais depressa na direção da paliçada tentando ver algum
dos vigias pelo caminho, mas nenhum deles estava lá. Entraram por trás da
paliçada e começaram a inspecionar as tendas mais próximas a procura de algum
dos soldados, mas não encontraram viva alma. Logo estavam entrando em desespero
e começaram a gritar. Gritavam nomes e patentes como se fossem uma coisa só.
Tentavam só chamar a atenção de alguém que pudesse lhes explicar o que estava
acontecendo. Foi então que encontraram um soldado ajoelhado junto as cinzas de
uma fogueira.
- Soldado! Identifique-se! - Disse Urhur com autoridade na voz. O soldado
era moreno de pele e cabelo e usava a armadura e as armas características do
exército mulhorandi. Mesmo assim ele parecia pasmo, quase mortificadamente
assustado com o que quer que tivesse visto. A demora para responder foi tanta
que o comandante forçou-se a ameaçar o homem. - Identifique-se ou seremos
forçados a matá-lo.
- Meu nome é Bakenmut, senhor. Por favor, não me mate. - Foi tudo o que o
homem conseguiu dizer por um momento. No instante seguinte ele desatou a chorar
e, entre os soluços, ele tentava explicar o que havia acontecido. - A névoa...
Não havia o que fazer... Foi tão rápido... Todos sumiram...
- Acalme-se, soldado Bakenmut! - Ordenou Kethoth, se dirigindo
diretamente ao soldado, coisa que poderia fazer somente para grupos maiores. Um
único soldado poderia entender que o general se colocava como igual se falasse
diretamente consigo. - É seu dever nos explicar o que aconteceu aqui! Não deixe
que suas aflições pessoais atrapalhem o que precisa fazer como soldado. Não
esqueça da sua profissão homem!
Ele levou alguns segundos para se recompor, mas depois disso conseguiu falar
com a eficiência de um orador profissional.
- Senhor! - Iniciou ele. - Perdoe-me meus modos, mas havia amigos meus
entre os soldados e o que aconteceu foi assombroso demais. A névoa que cobria
nosso acampamento desde o último anoitecer se intesificou um pouco antes de eu
sair da paliçada para urinar. Assim que terminei e voltei a olhar para cima a
névoa já estava se dissipando, mas com ela todos os soldados também sumiram. Só
fiquei lá fora por um instante e ainda assim quando voltei nenhum dos soldados
estava onde estavam quando saí. Os vigias desapareceram também. Para falar a
verdade, até ver os senhores achei que eu era o único que tinha sobrevivido.
Acho que essa névoa era algum tipo de maldição dos deuses.
- Guarde o que acha para si. - Disse Urhur cortando o soldado. - Temos
que descobrir mais pistas, para podermos ajudar nossos camaradas.
Os três concordaram com isso e começaram a procurar qualquer marca que
pudesse sugerir para onde todo o destacamento poderia ter ido naqueles breves
momentos.